sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O HOMEM QUE PERDEU O CU - CAPÍTULO V


uma amiga insistiu tanto que eu publicasse um capítulo da novela que estou escrevendo que acabei concordando. Aí vai então:

CAPITULO V – UM COLÓQUIO COM O CU NUM BOTECO SUJO ANTES DE DESCEREM AO PUTEIRO.

Bom, não vou entrar em detalhes, mas era um botecozinho desses bem chinfrin, bem nojentinho mesmo. O Cu arredou sua cadeira para mais junto de FraNZ, olhou bem dentro de seus olhos e disse:
_Você é Hilda, o autor de O LIVRO DOS DESEJOS ANAIS, não é mesmo?” FraNZ não disse nada, apenas que sorriu desconsertadamente como um dos sinos desafinados da Igreja dos Remédios.
_Não adianta me esconder nada, rapaz, eu sinto essas coisas exteriores. Disse o Cu. Franz TRIS-TO-NHA-MEN-TE DOIS PONTOS “Se não convenci um Cu de minha representação, não convencerei nem mesmo a própria academia.
_Você não precisa convencer ninguém. E eu não sou um Cu. Eu sou o Cu. E ao contrário do que se imagina, todo Cu tem um nome. O meu é Barros. Barros de Alencar.e Silva. Muito prazer!”
_ FraNZ, prazer!!
FraNZ ficara mesmo meio sem jeito ao cumprimentá-lo. A moça com uma verruga enorme no nariz e que trazia a cerveja, fingiu cinicamente que aquilo não estava acontecendo, assim como também fingiu sua vida inteira que aquela verruga enorme e feia em seu nariz, nunca existira. Moscas azuis sobrevoavam curiosamente o Cu. Mas ele parecia não se importar. Era ficha limpa.

AGORA DÊEM-ME SÓ UM SEGUNDINHO PARA PENSAR NA FRASE SEGUINTE RETICENCIAS

Bom, é isso. Olhando ao redor, O Cu que se chamava Barros de Alencar. e Silva, falou com nostalgia:
_ Víamos sempre aqui, o velhinho e eu, discutir literatura clássica. Ahh, um saco, todo aquele papo helênico. Você me libertou e agora devo tudo a você, FraNZ, querrido.
PORRA, O CU COMO OS OUTROS TAMBÉM ARRANHAVA O “N” E O “Z” E AINDA POR CIMA HAVIA AQUELE ERRE DOBRADO E FRANZ OBVIAMENTE COMEÇARIA A DETESTAR AQUILO.
Franz desfilou aquele gestozinho clássico com a mão direita porque FraNZ era destro, tipo TRAVESSÃO Ora quê isso, esquece _Sério mesmo, o velhinho era um saco, e digo-lhe mais, vivi todo esse tempo na bosta daquela academia servindo aquele velho escroto no meio de toda aquela gente escrota, e portanto chata; uma vida toda desperdiçada, vivendo na mais absoluta escuridão pueril e enferma de ideias e palavras reinantes naquela merda de academia.
_ Bom _ FraNZ ia dizer _ Fico contente em ajudar OU então mas eu não fiz nada, mas Barros de Alencar. e Silva o interrompeu dizendo:
_Não, você não entende querrido, sua alma é livre e você me libertou, e agora me sinto culpado por não ter dinheiro para pagar nem esta cerveja, é que o velho era misarento e não me deixou um único centavo RETICENCIAS TRISTES

E MAIS, SE O CU TIVESSE MÃOZINHAS TERIA ENFIADO ELAS EM SEUS BOLSOS IMAGINÁRIOS SIMULANDO DUREZA E TAMBÉM TERIA FEITO AQUELA CARA DE MUXOXO, MAS FRANZ ENTENDEU PERFEITAMENTE PORQUE FRANZ JÁ PASSARA POR ISSO, ANTES DE SE TORNAR UM PROFESSORZINHO DE ENSINO MÉDIO COM UMA ÚNICA CADEIRA E MAL PAGO (...) IDEM A MAIS
_ Esquenta não! Deixa que eu pago. FraNZ disse.
_ FIIIIIUUUUU O Cu assobiou animadinho pedindo outra: _FraNZ meu querrido, quero ouvir mais de você... e não me venha com teorias, Á MERDA COM TEORIAS.
O Cu parecia mesmo excitado.
_ Não tenho muito o que falar de mim, apenas que escrevo para poder suportar o fardo da vida. _ Os olhos do Cu brilharam. Um ventilador de teto ordinário de marca paraguaia girava sobre suas cabeças. Algumas poucas pessoas incomodadas pelo odor que se espalhava pelo botecozinho, retiravam-se dali em silenciosos protestos. FraNZ olhou pela ultima vez a verruga enorme e feia no nariz da garçonete e jurou que nunca mais olharia aquilo outra vez enquanto ele permanecesse naquele lugar espeluquento. Aí o Cu desandou a falar ES-PAS-MO-DI-CA-MENTE: _ FraNZ, meu querrido, anote bem isso: “A VIDA É UMA TELA VANGOGHIANA MAL FEITA E MAL COMPREENDIDA”, você tem brilho, talento, meu rapaz, não precisa mais se esconder atrás dessa máscara de Carlitos, seja você mesmo, deixe o seu Cu falar por si, FraNZ, vivemos a época do esvaziamento criativo, da falta da compreensão anal, veja o Joyce, por exemplo, ele ainda é o que é hoje porque deixou seu cu falar, deixe o seu cu falar FraNZ, temos muito o que dizer e o que ensinar, é preciso dosar as coisas, amar e perverter, você está anotando isso, querrido, não está? o amor sem a perversão não existe, e você está no caminho certo, os escritores de hoje precisam abrir seus cus e viver a plenitude do amor e da perversão, o amor não está somente na penetração, não é apenas quando se mete, mas quando se tira também, a palavra é um grande esporão do amor, deixe que ela repouse dentro de você depois de gozar, porque a pressa? a pressa não existe para os amantes, não é mesmo? ela não nos permite chegar a nenhum lugar, FraNZ meu querrido, você me libertou e eu não posso nem pagar-lhe uma cerveja, mas veja bem, estamos bebendo nessa espeluncazinha minúscula e fedida, mas podemos ainda beber em outro lugar mais amplo, que tal, só que não tenho dinheiro, o velhinho era misarento, não me deixou nada, eu catei seus bolsos, você viu, mas ele não tinha mais nada, ele se foi para sempre devendo as pessoas e o mundo, tentei ajudá-lo direcionando-o a uma escrita mais livre, mas ele era teimoso, nunca me ouvia, é um problema dos escritores de hoje, não ouvem seus próprios cus, nos subestimam, para eles somos apenas uma pequena peça do mecanismo fisiológico que faz a máquina humana funcionar, mas nós pensamos e jogamos também de forma diversificada, escrever não é só uma questão racional, é ter a carta certa nas mãos certas, é saber girar a roleta, é dar um novo corpo ao mundo, lembra-se de Dostô, ah, o nosso velho Dostô, este sim sabia jogar e ouvir o próprio cu, quanto mais se perde mais se ganha, GRIFO MEU, NÃO, DE FraNZ, NÃO, DO CU, OKEI OKEY, MEU MESMO AH, QUE DIFERENÇA FAZ. AH, FraNZ, vamos aos puteiros, o velhinho não era apreciador desses lugares, tratava-se de uma alma ranzinza e bastante recatada, e acredite, ia à Igreja aos domingos e me fazia ouvir My Way, um beato, agora imagine FraNZ, todos esses longos e torturantes anos levando uma vida chata, a escrita é livre, imploda mesmo as fibras arquitetônicas do dizer velho, as hierarquias morais, o homem é uma pequena amostra da infelicidade, e daí, foda-se, se um dia você acabar sozinho e cego, não acredite na escuridão, as palavras seguem a voz de dentro.

E ELE ENCERROU DIZENDO
a vida não é uma novelinha barata, FraNZ querrido, a vida é um romance puro, este século não vai nos cheirar, esqueça a academia, vamos aos puteiros!

E CAÍMOS FORA DALI

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

KEROUAC - O VIAJANTE SOLITÁRIO


(...) "ASSIM, AQUI ESTOU EU AO ROMPER DO DIA EM MINHA CELA SOMBRIA, faltando 2 1/2 horas para enfiar o relógio de ferroviário no bolso dos meus jeans e cair fora..."
terminei de ler esta manhã o "Viajante Solitário" do Jack Kerouac. meu livro de cabeceira desde que mudei-me para cá. o devorei em três dias. um livro delicado, humano e generoso. ahh, queria ser Jack Kerouac. ter sua coragem e sua espontaneidade no trato com as palavras. ter esse sopro, essa tragédia doce da vida. mas Kerouac foi um viajante de estradas. sem pátria. um vagabundo iluminado das estradas abertas e perdidas da vida. um vagabundo em extinção. u eu ainda estou ancorado no meu cais de pedra. imóvel. transparente. emfim. li quase todas as suas obras e sempre quando algo novo seu vem á tona, trato logo de inteirar-me do assunto. como é o caso de uma peça que foi publicada recentemente numa versão espanhol junto com uma nova edição de Junkie, do Burroughs. a peça, como não poderia deixar de ser, é também autobiográfica. aliás, toda sua obra, desde a poesia, até a prosa e teatro, são triunfos autobiográficos. história de uma geração. sua escrita pessoal centrada numa busca pela verdade e pela iluminação, é contagiante e inspiradora. essa força espiritual que se dá através de sua escrita, atinge o universal, o que faz dele um grande escritor, o melhor, ao lado de Jack London e de Fante. e aqui me refiro apenas á literatura americana.
"Visões of Cody", que é um tijolão, é um livro que até hoje não consigo largar. parece que cada vez volto á leitura daquelas páginas surrealistas, mas me deparo com algo novo e deslumbrante a ser revelado, talvez por ser o livro mais experimental - depois de O LIVRO DOS SONHOS. Visões of Cody é outro livro desse autor que recomendo aos meus amigos. A obra chega a superar - e essa é minha opinião particular - o então clássico ON THE ROAD, o mesmo que o colocou no panteão dos imortais da literatura americana, mas que por outro lado, foi um livro considerado injustiçado por ter sofrido várias amputações, para que ele fosse publicado. tive o privilégio alguns anos atrás de ler na internet um trecho de um dos rascunhos originais de On the Road, E CARA, é de uma fruição verborragica visceral impressionante. Lembra "Finnergan Awake" o o próprio "Ulisses" do James Joyce, no sentido da descontrução e do experimentalismo linear da narrativa; uma espécie de reminescencias proustianas com fortes doses de alcool e mescalina.
o "Viajante Solitário" é um livro que trata de um tema aparentemente comum: viagens. viagens que percorrem o sul dos Estados Unidos de costa a costa, atravesando todo o México, chegando até Marrocos, Paris e Londres, abordo de navios e trens de carga (Kerouac foi lavador de pratos de navios, limpador de convés de cargueiros, empregado de posto de gasolina, vigia florestal e também jornalista)A sua viagem não é uma viagem commum. Trata-se de uma viagem pelos meandros da vida em busca da verdade ou de um sentido universal. o propósito do livro como ele próprio afirma, é simplesmente poesia, ou meramente uma descrição natural da vida.
a literatura de Kerouac é uma literatura essencial e obrigatória para a geração presente.

(...) não há nada mais nobre do que aturar algumas inconveniências como cobras e poeira por amor á liberdade absoluta. Eu próprio fui um vagabundo, mas só até certo ponto, como se vê, porque sabia que algum dia meus esforços literários seriam recompensados com a proteção social - não fui um vagabundo autêntico, sem esperanças, exceto aquela eterna esperança secreta que se adquire dormindo em vagões vazios que atravessam o vale de Salinas sob o sol quente de janeiro cheio de Dourada Eternidade...

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

fracasso


é no mínimo engraçada e curiosa a palavra JUBILAÇÃO. jubilar vem de júbilo que significa alegria, contentamento, satisfação, alguma dádiva. na prática não é bem assim. para alguns, o efeito dessa palavra, a grosso modo, pode significar o contrário, algo do tipo, tristeza, derrota, desapontamento, fracasso ou algo parecido. o fato é que nesta manhã cinza de dezembro, recebi minha carta de jubilação. nunca pensei que fosse receber uma carta como aquela. enfim, peguei a carta, sentei na cadeira da sala de minha nova casa, e li cuidadosamente o que estava escrito nela. foram curtos e grossos:

Sr. Márcio Santana, o senhor foi jubilado.”

havia sido finalmente jubilado daquela faculdade e eu não tenho vergonha alguma de tornar público o fato. não me arrependo nem um pouco. Se fui o grande responsável pela minha jubilação ou não, isso pouco importa. o fato é que não dava mais pra eu ficar enganando a mim mesmo e a ninguém. Então eu mesmo me jubilei. Joguei a toalha da minha farsa. nem sei por que estou escrevendo sobre essas coisas. ah, sim, talvez o ocorrido faça parte de mais um fracasso meu. e foram muitos até aqui.
nasci numa cidade fracassada. na adolescência sonhei em ser jogador profissional de salão do Santos Futebol Clube, mas fracassei. um dia o técnico chegou e disse que não dava, que eu era um péssimo ala esquerda e delicado demais nas divididas. desisti do futebol muito cedo. meus amores de juventude também foram recheados de fracassos um atrás do outro. nunca tive tato com as mulheres, mas que para esconder bem escondidinho minha homossexualidade, tinha que encarar elas de frente, aí que meu coração batia mais forte pelos garotos. um dia tomei coragem e declarei meu amor para um coleguinha de classe e ele me arrebentou a cara no banheiro da escola. O pior foi que, para ele não espalhar que eu era viadinho e acabar comigo, tinha que pagar-lhe pedágio todas as vezes que adentrava o portão daquela escola.
meu professor de Literatura do turno noturno foi minha primeira e grande paixão platônica de rito de passagem da adolescência á fase adulta, só que infelizmente o cara era hétero (sei que não existe isso), casado e não tinha como rolar mesmo. então ficava da minha cadeira ouvindo ele declamar os poemas de Olavo e Cecília Meireles suspirando e sonhando com ele. na fase adulta, falhei como professor, talvez por ganhar um salário indecente, trabalhar nas piores escolas e nunca acreditar de verdade na educação. larguei o magistério esse ano. Não casei, não tive filhos, não vou deixar legado algum. considero isso um fracasso também? não sei. talvez. no fundo dou vivas a Machado. “Aos vencedores, as batatas.” na faculdade fui um fiasco, tendo que me arrastar por quase 10 anos fazendo o mesmo curso que não me dava curso algum. faltando um período e meio, fui jubilado. minha mãe a qual não lhe dei nora e nem netos, morreu acreditando que um dia eu pudesse ao menos me formar. enfim, restou-me a literatura que sobreviveu a tudo, no entanto, meus livros todos até aqui foram um fracasso. nenhum merecidamente reconhecido. mas continuo tentando. é tudo que de verdade me resta. se um dia eu fracassar como escritor, então eu não fui realmente nada. me consolo na frase de FraNZ - um dos personagens da novela que estou escrevendo e que se chama O Homem que perdeu o cu: “O HOMEM É FEITO DE DERROTAS E DELA SE ALIMENTA PARA FICAR FORTE.” Ou até mesmo do próprio Cu que afirma: “O FRACASSO É UM BOLERO TOCADO AO AVESSO.” mas vai que FraNZ e o Cu tenham razão.Um dia conversando com uma amiga sobre meus fracassos, ela virou seu copo e disse: "para alguém que sobreviveu a sete facadas no útero e está aqui falando de seus fracassos, não consideras isso uma vitória?" aquilo me deu certo alento, mas não foi convincente.sei que pareço autopiedoso se lamentando no meio da vida diante de coisas aparentemente tolas e irrelevantes com tantas outras coisas que ainda virão, mas foi a carta que me fez repensar o que EU FUI ou o que EU FIZ até aqui, o que, de certo modo, me fez acordar.
Enfim, olhei uma ultima vez para a carta jubilada e a atirei ao lixo, depois fui até a cozinha e abri uma garrafa e meia de vinho que havia sobrado da ceia do natal e brindei a mais um fracasso meu e também a muitos outros que certamente virão. Por que pensar em vitórias? Numa época de vencedores artificiais, não me arrependo nem um pouco em ser um fracassado assumido.

sábado, 25 de dezembro de 2010


Vou fechando este ano trabalhando na minha mais nova novela chamada O HOMEM QUE PERDEU O CU. Tenho me concentrado e trabalhado nela com uma certa exaustividade. Na verdade, ela faz parte da segunda trilogia que denominei de trilogia dos órgãos e que se iniciou com O Homem com a Abertuna na Testa, segue com a odisséia do Cu, e terminará supostamente na Saga do Pênis. é prazeroso e muito divertido trabalhar na literatura esses elementos falocráticos do corpo e que acabam se personificando, criando uma identidade própria. É claro que não é nenhuma novidade, Rabelais já havia trabalhado isso em uma de suas obras, William Burroughs também já havia dado vida ao Cu, cada um - é claro - com sua maneira irônica e critica e também sagaz de abordar a questão. O Homem que Perdeu o Cu é uma novela que não segue um fluxo linear estrutural. É um texto onde pela primeira vez eu o desconstruo do começo ao fim. Costumo dizer, um FLUXO-ALUCÍNOGENO-DEVANEIATIVO, ONDE PELA PRIMEIRA VEZ, eu consigo me perder e me achar de verdade dentro dos meandros dadaístas daquilo que vou criando de um fôlego único. É como o FraNZ, - protagonista desta novela que diz a certa altura de um dos capítulos: escrever é perder-se. Abaixo um trecho da novela:

"FraNZ estava ali para ver um pouco de gente e tentar quem sabe escrever um pouco. FraNZ anda com a porra da sua novelamaluca empancada há trës semanas desde que mudou-se para aquele bairro novo e ele não consegue retomar o fio de ariadne, mas sabe, NO DURO, considero o que FraNZ anda escrevendo uma espécie de FLUXO-ALUCÍNOGENO-DEVANEIATIVO e penso eu que a intenção de FraNZ é essa mesmo, perder-se nos labirintos da criação, então porque raios preocupar-se com o fio de ariadne para lhe conduzir se, escrever é perder-se, ESCREVER É PERDER-SE, BINGO!"

elogoabaixo um breve apelo a Dadá enquanto as ideias não vem

"DIONISIO NÃO TEM ROSTO NINGUÉM TEM ROSTO EU PROCURO MEU ROSTO NO MEIO DE UMA MULTIDÃO DE ROSTOS E SOU MESMO UM ESQUELETO DE PAPAGAIO DE CARNE PRESO AOS FIOS DE ALTA TENSÃO QUE OLHO AGORA E QUE O VENTO DE DOMINGO SOPRA SÁBADO NÃO E QUANDO SUA SOMBRA SE PERDE DE VOCÊ NÃO ADIANTA IR MAIS EM BUSCA DELA POR ISSO FICO DAQUI PENSANDO DA MINHA SACADA NA MINHA BOSTA DE VIDA ENSACADA QUE SOU MESMO ESSE ESQUELETO DE PAPEL DE CARNE PRESO AO FIO E O QUE MAIS PODERIA SER OU SIGNI FICAR AQUI DEBAIXO ENTÃO MIGALHAS DE PÃES AOS PORCOS AOS GRANDES PORCOS QUE SE AGARRAM AS GRADES DAS PAREDES DO MEU PAREDÃO E PAREM TUDO OUÇAM O LATIR DO TEMPO EM NENHUM LUGAR LATEM O TEMPO TODO COMO ENORMES E VERDADEIROS CÃES ATRÁS DA MINHA SOMBRA EMBRIAGADA SOU UMA SOMBRA EMBRIAGADA LATINDO EMBRIAGADAMENTE E POR ONDE ANDARÁ A GRANDE NAU SALVADORA QUE NÃO AVEJO CHEGAR DE NENHUM LUGAR AFUNDADO QUE ESTOU NÃO AVEJO NADA DA NAUAVEJADA? MEU ESPELHO QUEBROU BORRANDO O BATOM DO CUSEMLÁBIOS FAZENDO BIQUINHOS CARINHA DE CHORO QUANDO VOCE PARTIU SEM PROMESSAS DE VOLTA ENTÃO VOU PARA NOITE FERIDO ALVEJADO MINHALMA AMARFANHADA E ESTE CAPÍTULO É PARADIONÍSIO DEUS DO DIA E DA NOITE E OS MEUS DEDOS DOIDOS CANSADOS GRUDAM-SE NAS TECLAS DO PRESENTE COM A ALMA DO PASSADO E É POR ISSO QUE MINHA CABEÇA RELINCHA COMO UM CAVALO SEM ASAS..."

e por aí vai meus camaradas, acho que no ano que vem ,quem sabe, termino isto aqui...vamos todos aguardar né?

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

COINSIDERAÇÕES SOBRE ZADIG DE VOLTAIRE

Bom, enquanto idéias não me vem ä cabeça, me ocupo lendo "Zadig ou o Destino", do célebre Voltaire. Zadig é um livro de contos muito louco. Voltaire gostava de tratar temas filosóficos, sociais, religiosos e morais por meio de seus contos. Escreveu dezenas deles não somente para expor suas idéias sobre determinado assunto, mas também para ressaltar sua opinião sobre temas controversos e, não poucas vezes, para responder a posições contrárias de pensadores de sua época. Com frequencia, retrata personalidades de destaque na sociedade em seus contos e com Zadig não podia ser diferente. Nele pode ser reconhecidos várias personalidades da sociedade monarca francesa refletindo a própia situação do reino francês mergulhado no caos da anarquia já prevendo anos mais tarde - depois de sua morte - a revolução francesa de 1789. De qualquer forma, Zadig é a história de um cidadão da babilonia envolvido em peripécias que o destino lhe reserva. Sua vida é feita de altos e baixos que acontecem de uma maneira que, ä primeira vista, nos parecem inconcebíveis e fora de propósito. Mas o destino é feito de surpresas, aliás, o próprio Zadig é uma surpresa, é o novo que evolui e involui, que se completa, se faz e se refaz, que abre caminhos onde não há, que constrói e destrói, que alegra e entristece. O elemento humano aqui é eternizado. Todas essas questöes e outras, Voltaire trata especificamente em seu Zadig, como o homem justo, honesto, sensato, sábio, virtuoso que, mesmo assim, sua vida se perfila num perde-ganha interminável.
Mas a grande sacada do livro é a grande pergunta sobre o que é o destino afinal? Seria uma viagem pelos meandros da vida? Uma fatalidade? Algo pré-escrito pela divindade? Um condicionamento de nascença? Você, assim como eu, também deve ter se questionado acerca do destino. O autor, entretanto, não quer dar uma resposta definitiva sobre o tema proposto, mas o define como uma força ora suscetível de ser domada ora fora de controle sintetizando a vida do homem. Por tudo isso, Zadig eo Destino é uma leitura instigante e agradável.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

FINAL - GRANSCY DE VOLTA A ORIGEM


Granscy fez sozinho o trajeto de volta da torre. Alcançou a plataforma mais próxima e comprou o seu bilhete. A ânsia de voltar para casa era por demais. Não tinha mais cigarros e por isso estava desolado. Só queria voltar para casa. Para o vazio de tudo; para o vazio das linhas que sempre pontuaram sua vida até ali. Sentou-se abatido e olhou abestalhado as plataformas. Pessoas entrando e saindo. O sentido da vida não estaria no breve fluxo metafísico do ir e vir dessas pessoas? Refletiu no instante em que uma voz metálica anunciava o próximo expresso que partia. Ele conferiu sua passagem e caminhou para lá. Num planoseqüência, observou os rostos brancos e apreensivos dos passageiros. Intuiu-lhe algo. A nave partiu atirando os corpos para trás. Ao passo de algumas horas, aconteceu o que ninguém queria. A nave fez um desvio entrando nas regiões ondulatórias da Experimental-Quantum. Houve gritos e protestos. Granscy foi sentindo estranhas modificações de ordem hormonal, a começar pela ânima feminina azunhando-lhe a epiderme. O rosto, ganhando contornos delicados, alongava-se um pouco mais. Emergiam peitinhos atrevidos fazendo escândalo. Não sentia tanto a perda dos pêlos, pois que sempre lhes foram escassos por natureza. Viu-se assustado, olhando sem graça para os lados. Um homem acompanhava curioso aquela transformação. Houve uma forte turbulência em razão do novo fluxo atemporal que aqui traduziremos como: Desvio de Destino.

FLUXO ZERO

FLUXO ZERO FLUXO ZERO

FLUXO ZERO

FLUXO ZERO

Piscavam luzes intermitentes alertando.
Granscy sentiu cólicas e foi ao banheiro. O estranho homem a seguiu. Frente ao espelho, acariciou a pele alva, a maciez da carne, os mamilos intumescidos... Uma vasta e negra cabeleira descia-lhe mansa sobre as omoplatas. Sorriu. Os lábios pediram batom. Ornou-os sem exageros. Um pouco de blush no rosto, também. Fez trejeitos, girou nos elegantes saltos e por fim refletiu acerca de seu novo hospedeiro. Foi quando ouviu uma voz atrás de si:
– Hylda!!! – Virou-se surpresa dando com um sujeito parado na entrada do banheiro. Trajava paletó cinza (velho e surrado por sinal) e um chapéu de paraíba na cabeça. No rosto, um feio talho na diagonal. Ela quase riu. A presença dele pareceu-lhe um Deja Vu.
– Tão breve é a beleza, enquanto a morte vem inteira. – Disse ele sorrindo. Os dentes em ruínas.
– O que o senhor quer, afinal?
– Acompanho todo o processo.
– E daí?
– Daí que as palavras não valem nada. São nossos pecados jogados no lixo.
- Ixi! – Avizinhou-se dela agarrando-lhe grosseiramente os bracinhos.
– E digo-lhe mais, meu botãozinho. A poesia mente. Ela nada mais é que um grande vácuo que nos chupa a alma.
– O senhor é muito escovado, isso sim.
– No fim da grande reta há sempre o vácuo que nos espera.
- Credo!! Desvencilhou-se dele fugindo às pressas.
– Mas também vendo no atacado, cremes anais e removedores de pêlos. – Gritou.
Bastante aturdida, Granscy, que agora descobriu-se Hylda, por intermédio do homem da cicatriz, não fazia a mínima idéia de como tudo aquilo acabaria. Embora, tão óbvio fosse o seu desfecho, como a cegueira é na velhice e a crista de galo na juventude
A nave entrou na Esfera-Quantum. Um grupo de Glumps-Glumps pulavam e gritavam:

“O SOL É VERDE!” O SOL É VERDE! O SOL É VERDE!”

Pulavam nos assentos e batiam suas cabeças umas nas outras. Um Muloch esperto transformou-se numa pulga. Uma outra subespécie qualquer jurava ver Cristo de olhos apagados no final de um balcão de bar. Á estereozofrenia era total. Á Granscy, coube apenas a breve reflexão de que todo esse tempo ele não buscava outra coisa além de si mesmo.
Tampou os ouvidos fechando os olhos. Havia algo em seu rosto. Não era medo. Tampouco raiva ou tristeza. Quem sabe uma certa incompreensão serena do que foi a vida, aliada agora a uma repulsa estética do que viria ser a morte.

“tão breve é a beleza,
enquanto a morte vem inteira.
no fim da grande reta,
há sempre o vácuo que nos espera.”

Foram essas as palavras.

A nave efetuou um ligeiro “looping” despencando de vez no grande abismo de lábios leporinos.


para Diego Moraes

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

VI - APÓS O COITO COM A ANÀ GRANSCY DECIDE PÔR FIM A SUA BUSCA E RESOLVE VOLTAR PARA CASA, SEM ANTES SER INTERPELADO PELO HOMEM DA CICATRIZ



Deitado ao lado da anã, Granscy tentava a todo custo entender aqueles símbolos pictográficos no teto da cúpula:
–O que representam afinal, todos estes símbolos?
Ela aproveitou para descolar o ultimo Flywin dele. Logo a sala impregnou-se de vapor barato.
–São os muitos circuitos da consciência humana, manejada pelo Deus da sabedoria e artes mecânicas. – Respondeu.
–E todos aqueles animais?
–São os ancestrais da alma. – Granscy coçou o queixo alongado.
–A arte é mesmo um combate... – Sussurrou. A anã olhou pra ele surpresa.
–Quem lhe disse isso?
–Um impressionista. – Reinou um breve silêncio.
–O que fazia antes de se meter nessa confusão toda? – Quis saber ela.
–Escrevia um livro.
–Um livro?
–Sim, um livro.
–E o que aconteceu?
–Rosa, a companheira, descobriu e me abandonou. Não suportando a perda, me rebelei mergulhando de corpo e alma no Dash. Um dia, abusei demais e quando acordei me achei nessa curvatura.
–Acha que encontrando a tal Hylda, seu sofrimento estará resolvido?
–Uma boa parte dele, creio que sim.
–Um homem nunca é feito de partes. Somos a projeção de um todo.
–Mas as partes não fazem um todo?
–Não quando elas são distorcidas. Uma questão bifocal da alma. Da consciência da alma.
–Mas e a razão?
–Não descarto aqui a razão, que também é bifocal.
–Razão e alma bifocais?
–Sim.
–E a verdade?
–Impura.
–E os instintos?
–Verdadeiros, pois que são meras trocas de interesses.
Granscy tornou a coçar o queixo longo.
–Você é Hylda, não é?
–Já disse que não.
–Como se chama então?
–Íris.
–E Hylda? Quem é Hylda?
A anã que se chamava Íris atirou com elegância o toco de cigarro para o alto.
–O que vai fazer quando sair daqui?
–Já nem sei mais.
–Se resolveres voltar para casa, e por alguma razão atravessares a Experimental-Quantum, vai descobrir tudo.
Granscy vestiu-se apressado. Íris olhava para ele como uma garotinha chorosa.
–A Experimental-Quantum ainda é uma nebulosa. Um risco a que todos nós corremos.
–Que seja, mas eu preciso voltar.
–Voltar para onde?
–Para casa. Hylda não existe e tudo isso aqui é uma porra onírica. Tenho mais o que fazer.
–Então me beije e vá!

Granscy beijou Íris e partiu.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

V - GRANSCY FAZ AMOR COM A ANÃ NA CÚPULA GEODÉSICA DO POLÍGONO g.



Advertência: Capítulo desaconselhável às mães.

Não me perguntem como, mas a astúcia da anã aliada ao imenso desejo de possuir Granscy a levou burlar a segurança do Polígono g, colocando em risco tanto a sua vida como a do nosso herói. Mas eis que enfim, ali estavam eles.
A torre era alta demais, de modo que nenhum olho humano conseguia ver lá debaixo o seu cume que desaparecia no firmamento tragado pelas densas nuvens de clorozyl. A torre tinha lá a sua história. Foi construída a custa de muito suor e sangue dos anões, mas que ao longo do tempo souberam relevar o fato e hoje sua construção é motivo de orgulho para todos eles. Prova maior dessa estranha veneração era o belo canteiro em volta da torre que os próprios anões construíram e que a cada 01 de maio de cada ano, depositam girassóis em razão de seu aniversário.
Outro aspecto interessante e que também envolvia a torre, constituindo-se, portanto, um grande enigma, era o objetivo de sua construção. Ninguém sabia ao certo explicar o porque e o pra quê de sua existência. Várias correntes teóricas foram levantadas, dentre elas, duas das mais interessantes e engraçadas são sem dúvida dos Mulocs e a dos Glumps-Glumps. Os Mulocs, por exemplo, acreditavam piamente que a torre fora construída para que a espécie humana se aproximasse de Deusnada, o que para eles era uma grande blasfêmia. Já os Glumps-Glumps, talvez para sacanear os Mulocs ou porque eram ingênuos ou burros mesmos, diziam que a torre fora construída para salvar a todos da grande maré profetizada. A verdade é que ela mantinha-se ali, firme, ereta, como um falo imponente com medo de ficar impotente, resistindo bravamente às intempéries do tempo e as especulações do homem moderno.
Para se escalar os incontáveis andares da torre e atingir sua cúpula geodésica, portanto, só era possível através da bolha panorâmica acrilizada puxada por grossos cabos de juta fibrosa. A anã acionou o dispositivo e a bolha pôs-se em movimento subindo bem lentamente. A medida em que a bolha subia Granscy via com os olhos marejados a cidade miniaturizar-se lá embaixo. As chaminés dos módulos-fábricas, em formas de narinas dilatadas, apontadas para o céu, funcionavam á todo vapor expelindo fumaças de clorozyl desenhando no ar espectros diabólicos de mães a confabularem entre si. A anã inclinou-se um pouco baixando com a boca o zíper da calça folgada de Granscy:
– Quê cê tá fazendo? – Perguntou ele, surpreso.
– Relaxa... – Um sorriso maroteou-lhe o rosto.
– Bem que me disseram que os anões são vulgares.
– Tisc-tisc-tisc-tisc-tisc-tisc... não senhor. Somos apenas seletivas. – Retrucou ela com o membro rijo de Granscy tufando-lhe a lateral da boca. Um dos espectros de mães horrorizou-se:
– Pois veja! Ela está chupando ele! Que horror!
– Mas ele não gostava não era de tubos vasculares? – Indagou um segundo espectro em espiral.
– Que eu saiba, meu filho sempre apreciou as ostras. – Interviu um outro.
– Mãe? – Granscy a reconheceu pela verruga na ponta do nariz. – É que ele está nervoso, coitado. É a primeira vez dele com uma anjã, e nós que somos mães, convenhamos, não é nada fácil para um filho copular com uma anã, ainda mais com talydomida.
– Um pederastazinho, isso sim. Nunca me enganou esse rapaz. – Tornou o segundo espectro.
– Os filhos sempre esconderam de suas mães os instintos mais abissais da carne. – Contornou o primeiro.
– Por isso sofrem seus desígnios. – Atalhou o segundo.
– Não é o caso de Granscy, por certo. O cerne de sua formação sempre foi religiosa. Enterrei minha vida toda para criá-lo; para vê-lo crescer. Tornar-se homem. Não vamos culpar as curvas do tempo que delineiam as nossas vidas, pois que o próprio tempo tem suas retas a que todos nós devemos retomar. As mães passam, mas os úteros ficam. É a mais pura verdade. – Dito isso, os espectros fundiram-se num único e denso vapor de clorozyl assemelhando-se a um imenso útero de Hiroshima. De olhos esbugalhados ante a pantomima dantesca daqueles fantasmas maternos, Granscy por um instante cogitou ainda estar sob o efeito de Hidrofyl. Foi preciso uma leve mordidela na cabeça de seu pênis para colocá-lo ciente de que tudo aquilo era verossímil, como também para alertá-lo que haviam chegado à cúpula.
A anã tomou Granscy pelo pênis e o conduziu para dentro da cúpula. Ele sentia o corpo congelar e respirava com dificuldades. Ela nem tanto, pois que parecia acostumada à pressão. Uma vez lá dentro, as luzes foram acessas e os pressurizadores todos ligados. Granscy não contava mesmo com o esplendor do lugar, a começar pelas altas colunas de marfim e bronze em cuja pureza geométrica ostentavam em seus cumes, címbalos e harpas com cabeças humanas oriundas do Gabão.
– Vem, filho, vem! – A anã despia-se com desespero. Ele com os olhos calmos e maravilhados de um De la Croix, passeava a vista pelo teto abobadado da cúpula, toda ela ornada de afrescos primitivos; pinturas protagonizando povos chegando de hemisférios distantes, faunas variadas de estranhos antílopes, zebus e serpentes do estreito de BauhausS.
– Vem, querido! A arte espera.
Crocodilos alados e aves gigantes do extinto Congo, como também Dromedários e Guarás das dobraduras de Gaza.
– Cuida, querido!
Tribos inteiras de Pigmeus do vale do Nniger e Vanwatus´s evoluindo num éden exótico e perturbador.
– Benhêêê...
Qabalahs diversas, símbolos criptográficos e estrelas que nasciam e morriam no fim de espirais cósmicas. Tudo numa profusão de cores de força e alma intemporal. Jurar-se-ia poder ouvir os tambores primitivos rufando das entranhas daqueles desenhos vindos do céu.
– Vem, amor! Estou pronta.
Moveu o olhar para a anã que de quatro, no chão, chamava por ele. Despiu-se e foi ao encontro daquela pequena massa de mulher, puxando-a em seguida para perto de si, iniciando o que seria um Kamawhee.*1 Experimentariam todas as posições inimagináveis do reino de Vatyssuana. Alegres atabaques soavam hipnóticos na mente de Granscy. O ritmo acelerava á medida em que ele também acelerava as estocadas. Estocadas que por vezes arrancavam da anã, gritos lancinantes de dor e prazer.
– Mais fundo, bebê! Mais fundo! mais fundo! mais fundo!
Rolou por sobre ele sugerindo uma Hipotenusa seguida de um Pa de Deux. Parecia gostar daquelas posições, pois que gozava à cântaros. Sabedor de seu inevitável priapismo, Granscy obedecia mantendo-a firme, no encaixe. Após o derradeiro coito, os dois amantes ainda permaneceram acoplados por horas a fio, como dois estranhos batráquios. Pareciam perfeitamente sincronizados.
Os tambores, enfim, cessaram de rugir.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

IV- GRANSCY NA CIDADE DOS ANÕES




Granscy deixou o expresso £££ descendo apressado as enormes escadas de metais em formas de espirais ondulantes, ganhando as ruas constipadas pela chuva de corante acidosférica, que caía lentamente. Para se chegar a Cidade dos Anões, ele ainda tinha que percorrer alguns quarteirões de uma alameda úmida que se estendia de um ponto a outro. Uma alameda ornada por Domos de acrílico sobrepostos cobrindo o que um dia deveria ter sido uma avenida qualquer.
Ele então cruzou um mini-arco de luz néon e deu com um vilarejo único e estreito assediado por casinhas engraçadas feitas de alumínio e latão. Já poder-se-ia ver alguns anõeszinhos zanzando como baratinhas tontas, por ali. Localizou o que parecia ser um Lupanar, e seu chip almanizado iluminou-se. Entrou, indo aboletar-se numa mesa pequena e ignóbil. Sentiu-se ridículo, mas alguém ali poderia lhe informar sobre Hylda. Não estava ali por essa única razão?
Os anões se entreolharam. De estranhos naquele lugar só mesmo Granscy e um ciclope que bebia solitário na outra mesa. Um casal de anões, referindo-se ao ciclope, se indagava:
– Quem me garante que ele não é um Muloc?
– Não, não é. Ele está chorando, vejam!
De fato o ciclope chorava. Ouvia Azavour e chorava. Um anão albino aproximou-se da mesa de Granscy:
– O que o senhor deseja beber, moço?
– Quero algo forte.
– Temos Hydrofil, pode ser?
Granscy, confuso, coçou o cocoroto.
– S-sim, pode. – E até gaguejou.
O anão albino sumiu por uma portinhola e Granscy ficou a olhar o lugar. Sacou da carteira um Flywin amarrotado e passou a fumá-lo com elegância. Olhava os anões que ziguezagueavam curvos e tristes solidarizando-se com a dor do ciclope.
O bar fedia a anões. Anões de todas as espécies; de cafetões a uma variedade estranha de traficantes de sonhos e ilusões. Foi lhe servido o Hydrofil. Ao contrário das outras substâncias que eram ingeridas por via oral, o Hydrofil tinha sua peculiaridade, pois que era inalado por tubos finos de borracha sintética e em seguida expelido delicadamente e sem pressa, impregnando os espaços em derredor com um doce aroma de hortelã absintico e papoulas embriagantes. Ultima moda vindo da China. Ele experimentou. “O que eles ainda faltam inventar”. – Sorriu Granscy. Uma anãzinha vestindo couro e botas sintéticas emergiu das sombras de néon e foi sentar-se à mesa dele:
– Hummmmm... Hydrofil. – Observou a anã que tinha olhos pequenos e insinuantes.
“Puta merda!” Espantou-se Granscy ao reparar que a anã era portadora da Talydomida.
– O rim como o amor ainda filtra direitinho. – Defendeu-se a anã, filosofando. O ciclope pagou a conta e deixou o Lupanar. Um Ba-Tech muito doido começou a tocar parecendo anunciar o fim do mundo. Os anões sob efeito combinatório de Hydrofil e Benzoclina rodopiavam alucinados no meio do salão.
– O que o moço procura? – Perguntou a anã com talydomida.
– Pra ser sincero, ainda não sei.
– Todos nós procuramos por algo que não sabemos, é verdade.
Granscy cerrou os olhos. – Talvez esteja procurando a si. – Complementou a anã. Por um momento ele refletiu sobre aquilo, mas aí, caindo em si, lembrou-se:
– Ah, sim, recordo. Procuro por Hylda.
– Tisc tisc tisc tisc tisc tisc tisc – Onomatopeou a anã. – Não procura, não. Hylda é apenas um subterfugiu que o mantém existindo. Só mais uma fuga.
– Não, não é não. Ela tem as informações a que busco. Vai me ajudar a salvar a cidade do caos. – Granscy agitou-se nervoso quase derrubando seu Hydrofil.
–Você precisa salvar a si, não aos outros.
Daí em diante tudo começou a girar bem devagar. As feições da anã ganhavam feições variadas, indo do belo ao horrendo. O som Ba-Tech emitia agora o som de um obturador cutucando um nervo do dente
–O que quer é me confundir. – Falou ele pra anã. – Me ajude a encontrar Hylda, por favor!
–Faça amor comigo na cúpula geodésica do polígono g. Não busco muito. – Propôs a anã. É claro que para Granscy era impossível imaginar-se copulando com uma anã, ainda mais com talydomida. Mas será que havia outra escolha?
– Prometo depois deixá-lo em paz para prosseguir com sua busca. Talvez consiga ser o que realmente busca ser. – Concluiu ela.
- Sou o que sou. – Rebateu ele.
– Nem sempre somos aquilo que pensamos ser. Há um descontentamento geral com o que somos ou com o que representamos.
- Você é Hylda, não é?
– Claro que não!
A anã arrastou Granscy para o meio do salão e o convenceu a dançar um Transe-Tech que era uma combinação Hindu-Afro-High-Tech duas vezes mais potente que um Ba-Tech causando fortes vibrações captadas pelos tímpanos sob pressão hidrosphérica. Granscy desparafuzou-se. Saltava alucinado do chão jogando os braços para o alto em movimentos rápidos e alternados, tocando o queixo alongado nas extremidades de seus ombros largos. Os anões riam de Granscy sem sequer imaginarem que ele estaria ali revolucionando e tornando moda uma nova forma de expressão corporal. Não sei precisar ao leitor quanto tempo Granscy e a anã ficaram ali naquela dança gamulustérica, mas, uma coisa posso lhes afirmar com veemência, o lupanar e a vida
daquelas criaturinhas nunca mais foi a mesma...

III - GRANSCY NA PLATAFORMA "B"



Era intensa a agitação na plataforma “B”. Um Muloc pregava as palavras de DEUSNADA com as veias saltando do pescoço. Vale aqui ressaltar que o que diferenciava os Mulocs dos Glumps-Glumps, além de sua crença estúpida, eram seu porte ereto, esguio e a facilidade com que metamorfoseavam-se em tudo aquilo que desejavam ou acreditavam. Os Glumps-Glumps por sua vez, eram baixos, brincalhões, e tinham barbatanas. Não chegaram a um grau de metamorfoseação devido um grave erro durante o processo de vitrificação, ocasionando-lhes sua disfunção genética. As demais espécies pseudo-evolutivas viam os Glumps-Glumps como seres idiotamente felizes. E na verdade o eram. Já os Mulocs eram vistos como seres sisudos e chatos. Pois bem, Granscy acendeu um Flywin e aguardou junto a um aglomerado de gente. A sua direita, uma mulher se desmanchava em prantos desfiando um rosário de sentimentos e rancor com a vida. Um ancião tentava consolá-la:
- O que ela tem? – Quis saber Granscy.
– Vai parir um Glump-Glump. – Granscy piscou várias vezes. Alguém que estava perto e ouviu, horrorizou-se. Fez uma ligeira genoflexão e se afastou às pressas.
– E isso não é bom? – Tornou Granscy.
– Claro que não! – O ancião ecolerizou-se.
– Então por que não tentam o aborto?
– Aborto? Em que mundo e em que tempo o senhor vive? – Granscy não soube responder.
– Daremos um jeito nisso ou pediremos clemência ao Grande Pássaro. – Disse o ancião já mais calmo.
O imenso painel eletrônico anunciava em letreiros tridimensionais a chegada do expresso £££. Todos se apressaram para embarcar. Granscy nunca tinha visto tanta gamulusteria desde o último eclipse que fecundara o sol e banhara os oceanos. Uma vez acomodado no interior do expresso, ele beijou o retratinho 3x4 de Rosa e colou o rosto triste e cansado no vidro da nave. Leu uns dizeres pixado na lateral:
“PIOR QUE A DOR DE UM PARTO, SÓ A DOR DE UMA PARTIDA”.

Pensou em Rosa, é claro. Rosa foi para o Zaire sem promessas de volta. Pior que a dor de um parto só a dor de uma partida. É. A nave viajava pelos tubos de cristais enquanto ele refletia: Impressionante a velocidade da nave. Impressionante a velocidade de tudo; das coisas boas e ruins que nascem e se desintegram tão facilmente e tão fatalmente na mesma proporção e gravidez veloz da luz.

Lacuna para que os senhhores discorra dando prosseguimento à reflexão de Granscy.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

II - GRANSCY E O NOVO TEMPO

O que Granscy viu lá fora o deixou de certa forma maravilhado. Alguém havia mesmo mexido na planta.A cidade nada maos era que um entrelaçamento de tubos de cristais transparentes suspensos no ar servindo de vias para pequenas e grandes naves que transitavam velozmente indo e vindo dentro de fluxuogramas ensandecidos. Outra forma de desobstrução do caos e que também chamou a atenção do nosso herói foram os jatos propulsores preso nas costas dos transeuntes permitindo-lhes trafegarem livremente pelos céus.É claro que alguns dos usuários desses transportes alternativos - sob forte efeito dos metazoydes ou benzoclynas, ou até mesmo de halcaloydes mais levees - colidiam com os aerobus que por sua vez estavam com os dias contados, visto que se rornaram com o tempo, grandes, feios e obsoletos.Gramscy mesmo olhou para um deles que cortava o plúmbeo som numa lentidão idiota. Coçou o nariz e riu.Mirou o olhar na direção norte. O Grande pássaro estava lá. No alto da montanha, com seus pescoço comprido e olhos grandes e bobos.Vigiava a todos porque essa era sua função. A grande sentinela deixou ce ser HÁ muito tempo, o Grande Pêndulo.Com o advento e a ascensão do Grande Pássaro, ficou mais difícil burlar as leis ou criar novas formas de incestos. Para alguns foi sem dúvida uma mudança significativa. Pra outros não. Mas o quê Granscy tinha a ver com isso? Ele olhou as horas e foi até a esquina comprar jornal.Viu estampado em letras garrafais:

PASTELEIRO FAZ MAIS VÍTIMAS. DESSA VEZ, UM CLÃ INTEIRO NO QUADRANTE 9. A POLÍCIA AINDA NÃO TEM PISTAS DO HOMICIDA. POR ENQUANTO ADVERTE: "EVITEM COMER PASTÉIS".
pausas para risos





No entanto Granscy não achou nada engraçado. "Onde tem um bar decente por aqui?" Perguntou ao jornaleiro. "Logo ali, no Domo." Apontou com o beiço, o jornaleiro. Granscy olhou para um letreiro neon que piscava luzes intermitentes e se encaminhou para lá.No balcão, ele pediu uma dose de conhaque, o que provocou - é claro - risos de espanto no garçom jovem e franzino. "Conhaque? só servimos Benzentel, senhor." "BEN-ZEN-TEL?" "Sim, senhor, BEN-ZEN-TEL. E só em dose." "Então me vê uma dose disso aí." "Quente ou frio?" "Hein? - Granscy não entendeu. "Quente ou frio? Repetiu o garçom olhando-o de lado para ele, curioso. "Não dá para ser gelado?" "Frio, o senhor quer dizer, senhor. Como quiser." Foi então lhe servido uma dose de Benzentel.Granscy tomou um gole e fez uma careta. "De que raios é feito isso?" "Isto é uma UVA, senhor. UNIÃO DO VEGETAL DO AFEGANISTÃO."
Não tardou paras Granscy viajar nas imagens. Cismou com um sujeito que escondia-se debaixo de uma mesa. "Que diabos ele faz ali socado debaixo daquela mesa?" Por acaso, é algum Glump-Glump?" Perguntou ele ao graçom que ficava mais franzino. "Não, senhor. É só mais alguém envergonhado com sua existencia." "Hummm, deve ter cometido alguma falha, pois não?" "Todos nós temos as nossas falhas, senhor." Retrucou o garçom. A voz ficando cada vez mais inaudível. Passados alguns minutos, ele se dirigiu ao garçom mais uma vez: "Por acaso, sabes onde fica a Cidade dos Anões?" Expresso KYY, plataforma B.Creio eu que o senhor ainda não possui os propulsores em razão de serem caros, portanto, não aconselho os aerobus, embora sejam mais baratos, são lerdos e sujos e levam um dia todo para se chegar aonde se quer." A voz do garçom soara como uma fita sendo rebobinada. Aquele de fato teria sido um esforço imenso para o garçom que desintegrou-se virando pólem sobre o balcão de vidro do Domo. Granscy achou aquilo estranho e engraçado. Ficou ali drenando sua dose de UVA e distraindo-se um pouco com a TELECÉLULA que noticiava com exclusividade o último feito dos cientistas caucasianos. Comemoravam, pois, o clone do novo Papa. Um clone sem aberrações patogênicas,afetações dogmáticas ou coisas do gênero.
"Palhaçada!! Séculos de estudos e avanços científicos e eles ainda acreditam no processo de clonagem." Falou um holograma enfezado, de passagem pelo Domo. Embora houvesse causado um grande espanto em Granscy, ele não lhe dera muito ouvidos. Pagou a conta e deixou o lugar.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

HYLDA


I - O CHAMADO


O CHAMADO ACONTECEU AS CINCO EM PONTO daquela manhã de maio arrancando-o de um sono doce e profundo. Viu tudo girando a sua volta; uma ânsia de vômito descia e subia-lhe à garganta. Vomitaria lodomusgo com toda certeza. E tudo por causa do Dash. Ou seria por causa de Rosa? A verdade é que vinha abusando do Dash desde a partida de Rosa para o Zaire. Agora já não havia mais volta.
O telefone seguiu tocando. Ergueu-se da cama e atendeu às cegas o aparelho. Seus movimentos eram lentos e holográficos:
– Siiiimmmm...? – A voz arrastada de um disco em rotação contrária. Era estranho.
- Mas que raios! Por onde andavas? Em que pé está o caso do pasteleiro? Já leu os jornais?
Granscy sacudiu a cabeça, confuso.
– Quem tá falando?
– Quem tá falando? Sabe muito bem quem tá falando. Quero que dê um basta nisso! Dou-lhe um dia.
– Mas... o que eu devo fazer?
– Procure por Hylda na cidade dos anões. Ela tem as informações. Ah, sim, evite os Mulocs e tome muito cuidado com os Glumps-Glumps, eles estão por toda parte. Outra coisa: não esqueça que a cidade mudou, o Grande Pássaro ascendeu e que os anões são vulgares. Tenha um bom dia. Adeus!
E desligou.
Granscy sentou-se atordoado à beira da cama. Uma luz rala e triste penumbrava o pequeno quarto. Alguém finalmente conseguiu metê-lo numa grande encrenca. Talvez tenha sido o homem da cicatriz. Seja lá quem for, pouco importava agora, o que ele precisava mesmo era esquecer o livro e retomar o caso, pondo fim aquilo tudo. Deu uma golfada de lodomusgo sujando as paredes bizantinas do quarto. Banhou-se e saiu para as ruas.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

A ENTREVISTA




Eu havia vendido alguns dos meus livros naquela noite e parei no bar do Lusitano para tomar umas cervejinhas que afinal, ninguém é de ferro, foi quando conheci Anne Rocha, uma cantor da noite. Ela bebia sozinha no balcão bem ao meu lado e olhava curiosamente para mim e para a pilha de livros dispostos no balcão de vidro. Quis saber se eu é que tinha escrito aqueles livros e eu respondi que sim, que era escritor. Pediu gentilmente para dar uma olhada neles e eu a deixei a vontade folheando um deles enquanto fui ao banheiro. Ao voltar de lá, ela me recebeu com um sorriso doce de bêbada e perguntou: “Quanto é que está vendendo?” Disse-lhe que custava R$10,00. Então ela disse: “Não posso levar hoje porque estou dura, mas você pode divulger esse seu livro na Rádio do Porto Hidroviário. Fala com o Saraiva, amigo meu que é loucutor, diz pra ele que você é escritor e que é amigo da Anne Rocha.” Então eu disse: “Poxa, que legal! É tudo de que mais preciso, ainda mais numa radio. Quando posso ir lá?” “Amanhã mesmo, as dez. Eu vou estar lá para te dar uma forcinha.” “Então eu irei.” E ficamos conversando um pouco mais até ela anunciar que já ia embora porque estava ficando pesada demais, então eu resolvi ofertar-lhe um livro de graca e prometi que iria ao compromisso pela manhã. Aí ela se foi cambaleante e sensual e eu fiquei lá, naquele balcão de vidro até umas certas horas.
É claro que não pude ir pela manhã porque bebi demais e acordei com uma puta ressaca e com o telefonema de Jordana: “Mário, vais aparecer hoje, mais tarde no Bar Castelinho? Preciso te mostrar uns textos novos que escrevi.” ”As cinco, ok?” Desliguei. Apesar de bastante atrasado, não perdi as esperanças da entrevista, de modo que arrisquei ir á tarde. As três em ponto, eu já estava atravessando a passarela do Porto Hidroviário atrás da tal rádio. A tarde declinava em calor, tédio e ressaca. Eu ainda havia vozes e tilintares de copos nos bares chacoalhando dentro da minha cabeça. Alguém me informou que o studio ficava na parte superior e eu então subi uns lances de escadas que me levaria á radio. Como era uma sexta feira, o movimento era bastante intenso na Praça de Alimentação do Porto. “Se aquela gente toda me ouvir vai ser muito legal.”Pensei alegremente enquanto passeava todo orgulhoso os meus olhos ao redor. Chegando no estudio dei logo de frente com o tal de Saraiva, o locutor. Um cara com uma cara de Amado Batista: um rosto Redondo e chato. Me lançou um meio sorriso amigável e pediu para que eu entrasse e sentasse enquanto anunciava a chegada de um barco que vinha de um interior desses qualquer. Quando pôde me dar um pouco de atenção, eu disse: “Sou um amigo da cantora Anne Rocha, ela canta na noite e divinamente bem, diga-se de passagem, (eu na verdade menti, nunca a vi cantar na vida até ali, mas clichezamente falando: “nessa vida, é preciso saber rolar os dados”.) ela me falou da rádio e do espaço que eu poderia ter para divulgar o meu livro. Sou um escritor.”Mostrei o livro para ele. Ele pegou o livro, olhou a capa - com quem se olha um objeto estranho - foi virando as páginas, até deter-se numa das linhas, foi aí que percebi que seu semblante foi ficando pesado demais a medida que ele aprofundava-se na leitura. Vi logo que o livro pareceu-lhe não agradar muito, dado a grave estética facial dele que se avolumava. Depois de um tempo, ele finalmente disse: “Mas isso aqui, meu camarada, é um livro pornográfico!” Obviamente que aquilo me pegou de surpresa. Me ajeitei melhor na cadeira e equilibrando melhor o riso, perguntei: “Livro pornográfico?” “Meu amigo, você fala aqui de vagina, pênis, cu e sei lá mais o quê e vem me dizer que não é pornográfico? Eu não vou divulgar isso aqui na minha rádio, não, cidadão.” “São apenas símbolos, metáforas, trata-se de um recurso estilístico muito usado pelos realistas mágicos.” Tentei inutilmente convencê-lo. “Mas olha isso aqui: (…) o pênis apontava em direção das estrelas, pois que gostava tanto da física quanto das palavras. “ E olhando sério para mim, disse: “O cara segurando um pênis, porra!” Aquilo – é claro – começava a ficar estranhamente engraçado. “Não há ninguém segurando um pênis, Saraiva (já estava ficando intimo do cara) o pênis tem articulação própria, assim como a vagina e também o cu, eles são membros despreendidos do corpo e portanto, tem vida própria. Na verdade, estão em busca de uma identidade, de afirmação, pois que não dependem mais do conjunto humano. É disso que eu trato no livro: do desmembramento no sentido antropomórfico da vida.” “Meu amigo, isso aqui é uma radio de respeito, lá embaixo, veja bem, tem gente de família, crianças e eles não vão gostar do que vão ouvir. Isso é literatura pornográfica!” “Não, não é não, Saraiva, está sendo taxativo, isso é literatura universal.” “Se ainda trata-se das coisas da terra como os outros artistas que aqui estiveram, mas convenhamos, falar de vaginas e outros orifícios, isso aqui não rola na minha rádio não.” “Mas Saraiva, já tem gente demais escrevendo sobre as coisas da terra. Eu escrevo sobre outras coisas.” “Foi uma luta pra não tocar mais estes forrós de baixo calão pra moralizar esta radio, e aí vem você com esse seu livro.” “Tudo parecia se encerrar ali, quando de repente entrou um cara alto e bem vestido e interrompeu a conversa. Trazia consigo um cd da Marisa Monte e pediu para que o Saraiva tocasse. Ele ouviu um pouco da conversa e com polidez quis saber do que se tratava, tendo em vista a irritação estampada na cara do sósia do Amado Batista. “Este rapaz aqui quer divulgar um livro que ele escreveu, mas não tem condição, doutor.” DOUTOR? Olhei de relance pro cara e notei que ele usava um crachá da polícia Federal. Agora ferrou de vez. Certamente ele ia pensar o mesmo. O mundo estava perdido. A minha literatura estava perdida. Pensei exageradamente em tudo isso. Pareceu que eu estava vivendo os anos de chumbo. Um lance meio surreal mesmo. “Posso olhar?” Perguntou ele. “Sim, claro.” “O conteúdo é pornográfico.” Advertiu novamente, o Saraiva. “Do que se trata o teu livro mesmo?” Bom - aí me posicionei como um pugilista amador pronto para seu segundo round - é sobre um órgão sexual feminino que surge na testa de um cidadão aspirante a escritor, sendo que esse órgão fala, tem vontade própria, personalidade, e acaba transformando a vida pacata desse cidadão num completo absurdo, mas é claro que a novela não se trata apenas disso, mas também das relações humanas, da busca pela afirmação, do amor, de um cotidiano brutal a que todos nós incondicionalmente estamos inseridos.” “E o que há de errado nisso, Saraiva? Eu também tenho uma vagina na testa, você não?” Respirei com alívio me recostando na cadeira. Havia ganho um aliado. “Deixa que o leitor faça a sua própria interpretação. Nelson Rodrigues – e aí ele se estendeu um pouco mais – foi um escritor muito censurado em sua época porque achavam que o que ele escrevia eram textos pornográficos, no entanto, o que ele falava era tão somente da hipocrisia de uma sociedade. E ele está aí, depois de morto, é o cara mais lido na atualidade e eu particularmente adoro ler Nelson Rodrigues.” E virando-se para mim, perguntou: “Você já leu o Anjo Pornográfico?” “A biografia? Sim, já lí.” (e eu de fato lera. Também gosto de Nelson Rodrigues.) “Viu, Saraiva? Vê-se logo que o rapaz aqui tem leitura. Deixa o cara vender o seu peixe. Quanto custa o teu livro?” “R$10,00.” Sacou sua carteira com a insígnia da policia federal e retirou lá de dentro a quantia certa. “Assina aí: Tenente Álvaro.” Autografei o livro com uma satisfação e com uma alegria que não cabia dentro de mim. Fiquei imaginando a reação Indignada daquele loucutor com cara de Amado Batista. “Prontinho!” Entreguei o exemplar a ele. “Vou ler ainda hoje. E não esquenta não, ele vai divulgar o teu livro, não é Saraiva?” E aquele policial bom e sensato despediu-se dando uns tapinhas nas minhas costas. Saraiva virou-se para mim com uma cara de poucos amigos e disse: “Escuta Mário, eu vou divulgar o teu livro sem mencionar esses detalhes aqui escritos, embora eu confesse a você que não aprecio este tipo de literatura.” E pegou o microfone e divulgou o livro. Foi estranho e engraçado ouvir o meu nome e o nome do livro sendo anunciado no alto falante de uma rádio que tinha alcance nos arredores de toda a catedral da Igreja Matriz. Não rolou entrevista alguma, é claro, tampouco apareceu alguém no studio para ver o livro ou conhecer o seu autor. Mas que importancia tem? Deixei o lugar com a certeza de mais uma vitória e subi feliz e confiante como um gigante pequeno a avenida Eduardo Ribeiro em direção ao Bar Castelinho para comemorar com a poetinha Jordana que a esta altura certamente já me aguardava vestida de sol.

domingo, 5 de dezembro de 2010

NOVELA - HYLDA

Dia 08 de dezembro, a partir das 10 hs, estréia nesse blog, o primeiro capitulo da novela HYLDA. Trata-se de uma novela futurista bem ao estilo noir. Granscy, o protagonista dessa estória, recebe misteriosamente do nada a missão de descobrir o paradeiro de um criminoso cuja profissão é vender pastéis envenenados e que, através deles, tenta exterminar toda a população de uma cidade. A busca de Granscy ganha proporçóes absurdas, levando-o também a busca de seu outro eu.

Imperdível!!!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O ANIVERSÁRIO



Naquela noite após o trabalho, fui abraçar Jordana, uma velha amiga escritora que fazia aniversário. Cheguei numa hora meio imprópria, pois que ela discutia com seu namorado: “porra, Jairo – vamos chamá-lo assim – quando andavas atrás de mim e eu te esnobava, ficávamos até tarde da noite bebendo, agora que te dou atenção e carinho queres ir cedo para casa. Hoje é o meu aniversário, porra!!” O cara dela lá caladäo, sem dizer nada. “As Folhas de Relva” de Whitman em seu colo. Um volumäo. Outro dia andava ele ás voltas com Pessoa. O cara até que lia. Pedia uma cerveja. Brindamos. Ela pareceu contente em me ver, mas seus olhos estavam tristes. Era seu aniversário e alguém queria apagar sua vela. Quando ele foi ao banheiro, ela virou seu copo e então me disse: “É justo, Mário? No dia do meu aniversário cismou em ir cedo para casa.” “Deixa ele ir, você fica. Vamos beber até os nossos fígados gritarem.” Ela fez um esforcinho e sorriu. Na outra mesa, uns aprendizes de junkies bebiam e discutiam alto. Havia uma aura pesada demais naquele bar. Senti isso. Bom, ele voltou do banheiro decidido mesmo em ir embora. Comecei a folhear as Relvas de Whitman pra disfarçar enquanto eles discutiam. Ele queria mesmo azedar o vatapá. Ai chegou o Carcamano, outro amigo meu, muito popular por ali e que também escrevia uns troços interessantes. Não lembro como chegamos até Bucowsky, só sei que ele insistia em nos dizer que o alterego do escritor era mais canalha que o seu criador. Literatura americana demais na mesa. Mas os olhinhos dela se acenderam. É que ela havia se tornado recentemente uma leitora voraz de Bucowsky. “Me explica isso melhor!” Perguntou ela ao Carcamano. O cara dela levantou-se imperativo e ela escureceu como uma folha. “70% dos leitores de Bucowsky são mulheres, sabiam?” Disse eu. “Sério?” Espantou-se ela. “Sério.” Sério nada. Inventei aquilo que era pra chamar sua atenção e vê-la sorrir em seu aniversário. Os aniversários são geralmente deprimentes, acho que é por isso que Deus não faz aniversário. Pensei este absurdo. Aquilo ali tava ficando azedo demais. Foi então que os aprendizes de junkies da mesa vizinha resolveram se engalfinhar e o bar veio abaixo. O troço foi feio porque vi um deles sangrando pelo nariz e gritando, “Porra! Ele torceu meu nariz com o meu alicate! Ele torceu meu nariz com o meu alicate!”
Mudamos para um outro bar. Neste outro bar tocava Caetano e ela ainda insistia para ele ficar. Em vão. Ele entregou os molhos das chaves da casa e deixou o lugar. Ficamos ali olhando ele se afastar e sumir. Ela foi escurecendo devagar. Então me veio esta frase tola á cabeça: “quando os homens partem, suas mulheres ficam negras como as folhas.” “que nada!” Jordana virou-se para nós estalando os dedos como uma cigana: “Vamos beber até os nossos fígados gritarem!”E ficamos ali os três bebendo e conversando. Ela nos disse que começaria um trabalho novo como garçonete num bar vip e que estava bastante animada. Falou de sua última crônica e de alguns poemas novos que havia escrito e também nos contou pela enésima vez o episódio engraçado com o francês voador, um gringo que ela havia conhecido e que despencara do terceiro andar da janela de um bar hotel no centro. Rimos um bocado. “Por que não escreves sobre isso?” Sugeri. Ela então pediu um papel e uma caneta e dessa vez rabiscou alguma coisa:
O francês voador
Conheci o tal francês no antigo Macintosh.Bebemos e cheiramos um bocado. Lá pelas tantas, secamos os nossos copos e subimos para o quarto onde o fedorento estava hospedado. Essa história de que francês não gosta de tomar banho não é mentira não, o cara era fedorento mesmo, mas estava bancando o rock todo. Me deitei na cama e me espreguicei bem gostoso como uma gata e pus-me a sua espera. Ele lá, sentado na janela do quarto, noiadão. Foi tudo muito rápido, assim, entre um fechar e abrir dos olhos e ele não tava mais lá, o porra do francês. Havia despencado dali e eu não pude fazer nada, a não ser rir, caí na risada porque entre o riso e a tragédia acho que ainda prefiro o riso e portanto eu apenas ri, ri e ri, vendo ele lá estatalado, mas vivo. Foi um custo tirá-lo de lá, o francês era gordo e fedia muito.
Na manhã seguinte, o gerente nos cobrou o prejuízo e alguma explicação. Não colou não a história de que uma toalha molhada havia caído dalí e feito um estrago daqueles. Saímos bem cedo, eu e o francês para comprar telhas novas. Nossas cabeças ainda giravam pesadas e o sol espocava dentro de nossas íris dilatadas...”
“Só um esboço. Nada sério.” Ela disse. “Gostei.” Guardei com carinho o escrito no bolso. Voltamos a conversar sobre variadas coisas, mas depois os assuntos se esvaziaram como os nossos copos e como os nossos bolsos e ela ficou muito triste e pensativa. Apagou seu último cigarro nas botas novas e pretas de Carcamano e nos disse que já ia embora. “Tá cedo minha querida.” Não disse nada. Levantou-se e partiu atravessando a rua com seus passos lânguidos de bêbada abatida. Combativa, ainda esguivava-se da morte e das armadilhas do amor. “Cara, vou reescrever o primeiro capítulo do "Á mesa com os escarnenecedores". Não ficou legal. Sinto isso. Ando bebendo pouco ou estou com a porra do bloqueio.” Falou Carcamano querendo animar a mesa e a noite, mas já não seria a mesma coisa. Vendo ela partir, foi as minha vez de escurecer. Sabe, certas amizades são mesmo pra valer. De repente me dou conta dessa amizade que é verdadeira e paternal. Não sei bem explicar. Acho até que não precisa não. Gosto dela e de quase tudo que escreve. Acho bem original. Como ela o é. No fundo não quer provar nada a ninguém. O suficiente para eu admirá-la ainda mais. O engraçado é que ela nunca soube disso. Talvez agora saiba.
Jordana partiu num taxi sem um aceno sequer, deixando para trás seu aroma de sonhos e a lembrança de um aniversário.

(para Jalna Gordiano)

RETORNANDO

Saudações a todos!! Estou de volta com as minhas postagens neste blog. Fiquei um tempo ausente, de maneira que peço sinceras desculpas aos meus leitores.
abraços, e aguardem textos novos que virão!!